Pegou-o com cuidado e sem mexer muito, levou-o à uma veterinária. Entregou aos seus cuidados e esperou. Ele retornou com um pequeno curativo em na asa direita e outro na pata esquerda, e sob a orientação de resguardá-lo até que se sentisse a vontade para voar, retornou para casa com, o agora mais silencioso, pássaro ainda sem graça. Colocou-o numa caixinha grande, destampada, com um bebedouro e algumas sementes.
Diariamente repunha a água, completava as sementes, limpava a caixinha e acordava ao som de um canto que a cada dia começou a se tornar mais alegre e afinado... Ritmava com o dia que nascia. Se frio, nublado e chuvoso, o canto era lento, fraco, como se fosse um pedido de "fique mais um pouco na cama, não me deixe sozinho nessa caixa"; mas se o sol iluminasse todo o quarto, o céu só tivesse nuvens rápidas, daquelas que nos fazem sombras momentâneas, e um vento leve refrescava o ar, o canto era como um convite para viver mais um dia, e se possível, um "me leve com você para poder rever um dia lindo que as paredes dessa caixa me impedem".
Num começo de noite entrou em seu quarto esperando ver ao lado de sua cama a caixinha com cinzento cantarolando por sua volta, se surpreendeu ao vê-lo em cima da cama pulando, ainda sem voar, em direção à janela. Se alegrou por ver a recuperação do bichinho, e ficou meio sem graça de prender aquela criaturinha em um quarto o dia todo. Saiu rapidamente e voltou com uma gaiola grande, com uma casinha-ninho e vários puleirinhos para o cinzento pular enquanto sua asa não se mexia. Deixou-a ao lado de sua janela, pelo lado de fora, para não perder o canto da manhã que lhe descreveria como esta o dia.
Numa tarde de domingo,
sentado ao ar livre, sob o olhar do cinzento começou a tocar seu violão, notas
aleatórias soavam e um canto respondia sobre ele. Assim, entre notas, batidas,
cantos e inspirações, a gaiola cai em sua cabeça! Cinzento, inspirado pela
música que ele mesmo ajudava a compor ali, começou a bater incessantemente suas
asas sem seu companheiro perceber, tanto que sua gaiola se desprendeu e caiu. O
jovem ficou olhando por instantes os movimentos do pássaro que pulava para
todos os cantos batendo suas asas; entre um pulo e outro, deixava escapar um
arco-íris de cores que saltavam aos olhos em meio aquele todo cinza. Nunca
havia percebido, pois até aquele momento o cinzento não tinha batido as asas e
ele nem teve a curiosidade de mexer nas asas do bichinho, talvez por medo de
machucá-lo mais, ou por pensar que embaixo daquele cinza sem graça, nada mais
do que mais cinza haveria... Ledo engano, pois toda a beleza antes escondida
atrás das penas cinza e da sensibilidade do canto que ecoava, agora enchia os
olhos!
Sem pensar a terceira vez
(já que cogitou ficar com o pássaro primeiramente, para ficar admirando aquela
aquarela de cores, e depois pensou "quão belo deve ser seu voo cantado";
mesmo se soltá-lo e não tornar a vê-lo, mais valerá vê-lo uma vez voando livre
e enchendo o céu com suas belas cores de asas abertas e seu canto feliz), abriu
as grades e o cinzento, num salto, pulou para seu voo.
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